NOVOCINE

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ÁGUA MOLE 2017. PT. 9 min


um filme de Laura Gonçalves e Xá

Os últimos habitantes de uma aldeia não se deixam submergir no esquecimento. Num mundo onde a ideia de progresso parece estar acima de tudo, esta casa flutua.



Novocine: "Água Mole" apresenta um cariz documental, partindo de viagens que ambas fizeram pelo interior do pais. O que vos levou a estes testemunhos, e como estes se moldaram na criação desta aldeia “animada”? É uma aldeia imaginada?

A nossa ideia era trabalhar dois temas:
O primeiro tema era o carnaval como patrimônio imaterial e o segundo era a construções de barragens como uma ideia de progresso que deixava grandes marcas na vida das aldeias.Com estas ideias como pano de fundo, fomos escolhendo lugares para visitar. Creio que na altura não era claro o que queríamos contar, mas eram temas que nos eram queridos, e que nos despertavam preocupações e curiosidades.
Com esta falta de definição do tema queríamos estar disponíveis para conhecer melhor as realidades que íamos encontrar. Ao entrevistar as pessoas que conhecemos, as conversas mais comuns eram sobre a desertificação. As pessoas falavam-nos muitas vezes sobre o que era sentirem-se esquecidas no interior. A aldeia do filme é uma mistura de 4 lugares que visitámos: Aigra Nova, Tua, Vilarinho das Furnas e Sistelo, criando assim um lugar imaginado com base em aldeias reais.


NC: Como foi o processo de desenvolvimento da narrativa para "Água Mole"? Tiveram uma ideia clara desde o início ou a narrativa foi se transmutando ao longo do processo de produção, especialmente tendo em conta a decisão estilística do uso das gravuras e os registos sonoros captados, em forma “documental”?

Ao contrário de outros projetos que desenvolvemos juntas, no filme Água Mole a narrativa foi se construindo no decorrer do filme. Percebemos que tínhamos mais liberdade criativa se estivéssemos disponíveis para acolher entrevistas, paisagens e momentos que aquelas viagens nos foram trazendo. Primeiro fizemos a entrevistas, depois criámos uma narrativa ficcionada que as interligava. A vontade de trabalhar sobre registos sonoros reais, assim como explorar a técnica da gravura era algo que sabíamos que queríamos explorar no universo da animação, mesmo antes da nossa primeira viagem.


NC: O filme trata um assunto ainda muito contemporâneo, da desertificação das aldeias, como é que sentem que, através do paralelo criado pela entrada de água, foi reforçada esta ideia de um ciclo de vida que vai passando?

Uma das imagens que nos ajudou a definir este filme, foi ver as casas submersas da barragem de Vilarinho das Furnas. Há um lado muito bonito e poético em ver casas debaixo de água, mas também nos trás uma sensação de esquecimento asfixiante. Sendo que uma das nossas ideias base eram as barragens, e que o discurso das pessoas se centrava no facto de estarem ali esquecidas, a água tornou-se um elemento central no filme. Outro elemento que também nos ajudou a abordar a ideia da emigração foi o vento. Vimos o filme As Vinhas da Ira de John Ford durante as nossas viagens e creio que foi algo que nos ficou marcado e se refletiu  na forma como construímos o filme.


NC: O som desempenha um papel fundamental na vossa curta-metragem, criando uma atmosfera única e envolvente. Podem falar-nos sobre a abordagem ao design de som e como este complementa a narrativa visual, cada um aumentando a experiência texturas do outro?

Pode-se dizer que temos dois tipos de som: o que foi gravado nas aldeias visitadas, que acreditamos que nos ajuda a mergulhar naqueles lugares, e o som que foi construído depois de trabalharmos a narrativa ficcionada, que nos ajudou a criar a realidade onírica aglutinando todas as aldeias reais.
Estes dois tipos de sons estão constantemente interligados. No momento em que o careto cresce, há um som algo abstrato que foi construído com excertos de entrevistas sobrepostas e com distorção.
Assim como na narrativa visual, no som, as barreiras entre o que é real e o que é ficcionado não são nítidas, são uma amálgama.


NC: Que projectos ou direcções artísticas estão a explorar actualmente? Há planos futuros que possam partilhar connosco?

Estamos neste momento a finalizar um novo documentário animado centrado em pessoas mais jovens que nos trazem o testemunho do que é viver numa cidade algarvia cujo o seu desenvolvimento foi completamente talhado pela monoindústria do turismo. Neste documentário queremos elogiar a relação que estas pessoas têm com aquele lugar e com o mar, recorrendo ao percurso que os percebes (ou perceves) fazem da rocha até ao prato. Em lugares como este, pessoas, fauna e flora estão em constante resistência para permanecerem na sua casa. 





realização, argumento e montagem LAURA GONÇALVES e XÁ música NICO TRICOT, RICARDO SANTOS ROCHA som PEDRO MARINHO, PEDRO RIBEIRO animação ALEXANDRA RAMIRES (XÁ), CÁTIA VIDINHAS, INÊS TEIXEIRA, LAURA GONÇALVES e PEDRO ALMEIDA produção RODRIGO AREIAS, BANDO À PARTE