NOVOCINE

14

AVESSO 2011, PT, 16 min


um filme de Von Calhau!

Era uma vez dois fatos. Um fato de leopardo e outro fato de lepra (o de lepra faz lembrar uma carochinha, como na história). Estão agarrados entre si através de uma corda. Cada um puxa a corda para si, puxando o outro fato para si. Uma montagem de atrações, portanto. Podia dizer- se que cada fato puxa a brasa à sua sardinha. As brasas sim, como aquelas que existem nos vulcões depois da erupção. Erupção rima com explosão que talvez remeta para o clímax do filme, o corte que reúne os dois polos num único movimento; a dança da corda vista a partir de um olho cego, o terceiro elemento. Triângulo motorizado por movimento perpétuo de sentidos aparentes. Para (não) finalizar dizemos tratar-se sobretudo de uma sucessão de imagens-vulcão a partir de um ponto de vista cego.



texto por Guilherme Figueiredo

Imagina que entras numa divisão:
  Olhas em volta e é toda feita de pedregulhos porosos e gigantes — a sala é fria e húmida. O espaço de pedra não reage à tua presença e então começas a explorar o seu interior. O tecto é baixo e notas que esfregas nele os cabelos despenteados no topo da tua cabeça. Torces ligeiramente o pescoço e apercebes-te que as fendas entre as rochas nas paredes emanam uma fraca luz, sentes nestes buracos um pulsar meio magnético. Existe em ti uma vontade de lentamente passar os dedos por estas entrâncias e fazes isso. Tocas em algo que se destaca da parede. Pressionas e cede para dentro. “O que era is…”, um som estridente ecoa atrás de ti e viras o teu corpo completamente na direção do som. Vês uma secretária de madeira escura com pernas adornadas a subir numa plataforma de cobre. Traz em cima dela pilhas de folhas soltas. Sem saber o que fazer aproximas-te da mesa e pegas num dos papéis. Lês o primeiro parágrafo:

  “Anomalia P4RS51
    Duas pedras flutuam à mesma altura do chão, ao encontro de uma com a outra a velocidades semelhantes. À medida que a distância entre elas se encurta, surge uma ameaça de toque. Quanto mais perto, maior se torna a fantasia de uma colisão. A frações de segundos de se tocarem, as mãos apertam o ar na sua força total e a tensão é arruinada pelo silêncio. Elas atravessam-se como fantasmas. Apercebemo-nos que as rochas não partilham da mesma realidade entre elas, mesmo que estejam rodeadas pelo mesmo mundo. Tudo o que está no meio do seu contacto é novo e explosivo”.

  “Um relatório?”, questionas-te com a cara mais críptica que já vi até hoje.
Decides ler outro. Um papel rasgado ao meio no canto oeste da mesa chama a tua atenção. Enquanto andas até ao seu encontro ouves um som, algo que te relembra uma derrocada microscópica, viras-te para o sítio de onde pensas que vem o ruído e este pára subitamente. Com as mãos a tremer descontroladamente pegas no papel com medo que não te permita entender melhor o que se está a passar.

  “Anomalia B89TR1
    Um pedaço de corda presa ao chão estraleja de forma violenta as suas arestas. O movimento cria uma ilusão de corte, serra o ar — chacina-o. Quando agarrada, a corda torna-se imóvel como uma cobra morta. Já não aparenta cortar nada para além de gordura aquecida e as arestas voltam à sua forma arredondada original. Mais bizarro que isto, só mesmo o buraco no chão de onde ela origina, um líquido espesso tipo lodo respira ao sair como se fosse algo vivo, como se fosse uma coisa…

  ”Começas a folhear desenfreadamente os papéis no topo da mesa à procura da outra metade do relatório e não a encontras. Começas a suar, não ter respostas deixa o teu corpo dormente. Encostas-te na mesa e passas o braço pela tua testa encharcada. Enquanto tentas não pensar nas páginas sem nexo apercebes-te de movimento no canto da divisão. Uma pedra na parede encostada ao pavimento começa a vibrar e lentamente começa a infetar a primeira pedra do chão que começa também a tremer, o movimento continua a ser transferido de pedra em pedra na tua direção. Sobes de forma desenfreada para cima da mesa e enquanto estás de gatas no topo, o teu cérebro lê uma frase numa das folhas.

  “As rochas soltas seguem quem tenha perdido a terra debaixo dos pés”.

  Sem tempo para pensar de forma lúcida deslizas até à ponta contrária da mesa e embates com os pés no chão. Assim que tocas no chão sentes um arrepio parasítico a subir as tuas pernas. Pára na tua cintura e aloja-se no umbigo. As pedras da sala param de vibrar e a plataforma foge com a mesa.





realização, montagem e som VON CALHAU! com PETE ALVES, VON CALHAU! montagem e camera FREDERICO LOBO assistência FILIPE TEXAS REBELO produção PAULA FERNANDES, SERRALVES agradecimentos EMPRESA DAS LOUSAS DE VALONGO, BRITAFIEL, CIRCOLANDO, MIGUEL RAMOS, CARLOS BARROS, IVANO, PEDRO AUGUSTO, PAULO ABREU, RICARDO NICOLAU, PETE ALVES