NOVOCINE

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A CASA E OS CÃES 2019, PT, 62 min


um filme de MADALENA FRAGOSO e MARGARIDA MENESES 

Durante 5 anos, sete amigos filmaram as suas vidas, em conjunto e separados. Um filme começa a surgir quando este arquivo é revisitado; a casa que partilharam durante um ano já não existe. Um filme feito a várias mãos, uma reflexão sobre o despertar de um olhar em conjunto.



Texto por Maria Reis

Ah, o passado.
O tempo onde se acumularam
Os dias lentos.

Haiku japonês traduzido por Herberto Helder.

Faz-se arte, faz-se música, fazem-se filmes. Escrevemos poemas e mensagens. Fotografamos os outros e nós próprios. Saímos à noite ou ficamos em casa. Começamos um livro ou almoçamos com o pai. As viagens de intercidades. Vinho tinto e amber leaf. Outras coisas.
É tudo descritível. Mas para contemplar é preciso atenção. E sensibilidade.
O filme podia ser uma catarse emocional, a nostalgia do que foi e já não é. Podia ser um retrato de Lisboa, dos dias de hoje. Podia dizer que é uma ode à intimidade. No fundo é um épico minimal, como um arranjo de flores, ou um puzzle afectivo, um ensaio de admiração a nós e que ao mesmo tempo, não nos pertence.
Esta proposta ambiciosa e impossível da Margarida Meneses e da Madalena Fragoso, de se filmarem a elas próprias, os amigos colegas de casa e os cães e tornar o mundano num poema, numa paisagem emocional da amizade – a família escolhida – é, para mim, um milagre.
O Luiz Pacheco, na ‘Comunidade’, fala da cama onde dormiam todos, mulher e muitos filhos, e chama-a de cama-jangada. Neste filme há a ideia de casa-ilha – “O prédio é alto como uma ilha”. Há um sentimento de grupo secreto, de aliados na vida, cúmplices dos sucessos e fracassos garantidos uns dos outros. O que fica por dizer ou o que não precisas de falar.
É tudo feito com delicadeza e respeito pela coragem que há em te expores a ti e aos teus como modo de estar na vida para dar à luz o quadro – o retrato melódico da passagem dos dias. Fala-se de filosofia com perspectivas de prédios e de espiritualidade na casa de férias a ver Pocahontas. O processo de montagem deste filme é, de facto, o grande herói que possibilita esta narrativa solta e usa o ritmo da consciência e do day dreaming.
Tinha perguntas para lhes fazer para perceber melhor a voz da Margarida e da Madalena. Gentilmente me responderam.


Maria Reis: De que forma, formal e/ou abstracta, é que pensam neste filme como um trabalho de dupla?” e “Sendo que o filme, na sua origem, era apenas uma série de registos da vossa vida íntima, como e quando (se foi enquanto filmaram, ou quando estavam revendo os vídeos) pensaram ‘está aqui uma cena especial que pode ir para além de nós’?”


Madalena Fragoso: Este filme foi tendo várias formas ao longo dos anos e sinto que passámos pelo espectro inteiro de emoções e possibilidades ao pensar nele e ao construí-lo, sendo que raramente pensámos nele enquanto um filme ou um objecto fechado que podia acabar e dizer-se que já está feito, muito menos que podia ir para além de nós (...) Construir algo com estas imagens foi algo que esteve sempre presente, mesmo que inconscientemente por isso este arquivo nunca iria ficar perdido à partida, mas nunca soubemos o que eram estas imagens. Sentimos que existia algo de muito comovente nelas que nos faziam rir sempre da mesma forma, por muito que as revíssemos e repetíssemos ou ficar tristes sempre da mesma forma, com a mesma ou mais intensidade, ao mesmo tempo que descobríamos sempre alguma coisa nova nelas. E foi mesmo incrível rever planos milhares de vezes e de repente só passados 2 anos ou 4 anos ou uns meses repararmos que alguém dizia uma coisa baixinho que mudava a nossa perspectiva sobre aquele momento ou um detalhe desfocado lhe que conferia outro significado ou levantava uma nova questão, como se as mesmas imagens se estivessem sempre a reinventar. Passámos 5 anos num modo quase esquizofrénico a rever e a pensar nas nossas memórias e nos momentos que ali estavam gravados e com esse tempo os momentos iam mudando e as nossas memórias também e aquilo que sentíamos que fazia sentido construir também. Sobre este filme ser um trabalho de dupla, acho que numa fase inicial e ao longo da maior parte do tempo, vimo-lo e sentimo-lo enquanto um filme que retrata um olhar conjunto que nos pertence a todos, a nós e a eles e não só a nós as duas. Isso ainda se mantém, mas acho que só agora estamos a conseguir processar o quanto esta é a nossa visão das coisas, a nossa visão sobre eles e sobre a amizade, os cães, o cinema, a cidade, tudo. (...) Eu e a Margarida conhecemo-nos quando entrámos na escola de cinema em 2010. Há 9 anos que estamos mais uma com a outra do que com qualquer outra pessoa nas nossas vidas e é uma cena mesmo orgânica, quase como se fossemos irmãs um bocado sem precisar de falar para nos entendermos. Às vezes podemos passar 20 minutos em silêncio e de repente dizemos a mesma coisa ao mesmo tempo como se estivéssemos estado a pensar sobre as mesmas coisas pela mesma ordem durante 20 minutos, é quinado e engraçado. Nesse sentido, acho que só conseguiríamos ter feito este filme e pensar sobre estas imagens em conjunto e nunca sozinhas. Somos pessoas diferentes com rotinas e formas de nos relacionarmos com os outros também muito diferentes, mas juntas complementamo-nos de uma forma muito especial. No final de qualquer conversa, invariavelmente, a única coisa que prevalece é um encontro de pensamentos que leva à superação da individualidade ou a uma transcendência não espiritual nem mística, mas de duas pessoas que se conhecem muito bem e que se querem muito bem acima de qualquer outra coisa. Somos também as únicas raparigas neste grupo, que eu acho que não é uma cena que vale a pena mencionar como sendo determinante, mas é interessante pensar nisso. Nostalgicamente e muito certeiramente, como a Margarida escreveu numa nota de intenções para um documento sobre o filme: ‘O que aconteceu naquela casa foi o despertar de um olhar que para cada um de nós tomou formas e proporções diferentes, mas, de alguma forma, iremos viver para sempre naquela casa a olhar por aquela janela.’.


realização MADALENA FRAGOSO E MARGARIDA MENESES fotografia DAVID LEAL, GONÇALO MATA, FLÁVIO GONÇALVES, FRANCISCO SOARES, MADALENA FRAGOSO, MARGARIDA MENESES, PAULO DINIS som JOÃO POLIDO GOMES montagem MADALENA FRAGOSO E MARGARIDA MENESES correcção de cor AFONSO MOTA produção MADALENA FRAGOSO E MARGARIDA MENESES elenco DAVID LEAL, GONÇALO MATA, FLÁVIO GONÇALVES, FRANCISCO SOARES, MADALENA FRAGOSO, MARGARIDA MENESES, PAULO DINIS, EMA, FAÍSCA, SIMBA




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MAIORIA ABSOLUTA 1964, BRA, 18 min


um filme de LEON HIRSZMAN

Filmado em 1963 e montado no início de 1964, “Maioria Absoluta” mostra as condições de vida dos camponeses impedidos de votar e denuncia a desigualdade social no país. Com o advento do golpe militar, o documentário ficou proibido até 1980.



Meu risco sempre foi esse. Joguei no campo das minhas convicções. Eu jogo no campo da liberdade, pela liberdade. Eu não jogo no campo da hesitação e da noite. Não, não jogo nesse campo, porque eu acho que o intelectual que jogue no dia e que jogue em contacto e que jogue na interação com o povo, numa perspectiva comum que seja de um processo de justiça social, de paz mundial e de democracia efetiva, de ampliação constante da democracia no país, eu acho que esse intelectual tem um caminho real.
entrevista a Leon Hirszman à rádio Jornal do Brasil, 1981



Texto por Aline Belfort

Todos concordamos que a educação é um dos pilares para uma sociedade livre e justa. Escrever é uma das formas possíveis de desenhar o pensamento, uma das formas possíveis de ter voz numa sociedade. Até o ano de 1985 quem não sabia ler ou escrever não poderia votar no Brasil. Esta conquista veio com a aprovação da Emenda Constitucional nº 25, num contexto de redemocratização do país com o fim da ditadura militar e de ampliação da participação das maiorias sociais na política.

1964, ano do golpe militar no Brasil, o filme começa com uma aula de alfabetização, as palavras são a luz num ambiente escuro onde silhuetas observam atentamente os traços formarem palavras, formarem pensamentos. “O tema deste filme não é a alfabetização, mas o anafalbetismo, que marginaliza 40 milhões de irmãos nossos” ecoa a voz de Ferreira Goulart depois de uma oração que canta “esperança nossa”, última frase dessa prece, que sutilmente fala que apesar de tanto sofrimento, é de fé que o povo segue e acredita num caminho possível de justiça.

O ano de 1964 era um ano de tensão e esperança naquele país, de um lado João Goulart, presidente da república, que foi até a estação Central do Brasil no Rio de Janeiro e anunciou uma série de medidas que poderiam ter mudado os rumos daquele país que vivia na sombra de um passado colonizado. O comício da central reuniu cerca de 150 mil pessoas e anunciava medidas tais como a reforma agrária e a reforma educacional, cujo um dos focos era o combate ao analfabetismo através do método Paulo Freire. Método esse que é o que aparece no filme, o processo proposto por Paulo Freire inicia-se pelo levantamento do universo vocabular dos alunos. Através de conversas informais, observa-se os vocábulos mais usados pelos alunos e a comunidade e, assim, seleciona as palavras que servirão de base para as lições. Um método que leva em conta a vivência daquelas pessoas, as letras e sons assim são assimiladas com mais facilidade. “Barraco” é a palavra que aparece no filme.

Leon Hirszman, em seu segundo filme "Maioria Absoluta", capta a ambivalência no Brasil da época com críticas, história e um potente jogo de edição feito por Nelson Pereira dos Santos, e imagens (Luiz Carlos Saldanha) que comunicam junto à voz-narrativa de Ferreira Goulart.“Justamente por não conhecermos as suas causas, buscamos soluções absurdas e remédios milagrosos”. Leon dá voz e imagem a diferentes esferas da sociedade brasileira, focando sua direção na diferença: As estações de trem ou feiras populares onde o povo não para, câmera na mão, zoom-in no olhar de quem a injustiça e a fome castigaram, em absoluto contraste com as cenas anteriores, que felizmente ocupam pouco espaço no filme, onde a burguesia clama seria a falta de vergonha na cara ou a indolência algumas das possíveis causas do problema brasileiro, em planos estáticos, de paz, rodeada de espaço nos frames, isoladas pelo tamanho do seu ego ou pelos objetos que decoram a sua mansão.

“Os problemas são muitos e muitas as opiniões”, Leon vai até o nordeste, região mais pobre do Brasil, região histórica de luta política, para ouvir a voz dos camponeses que denunciam as más condições de trabalho, sua angústia e a sua consciência de injustiça em frames coletivos e desapressados de ouvir e mostrar as condições miseráveis de vida, que apesar disso encontra alguma forma de fazer graça. No final do filme, imagens aéreas da capital Brasília e do congresso nacional, enfatizam a relação de distância entre os analfabetos, a maioria absoluta da época, e a sua falta de direitos políticos. O povo que movimenta e alimenta o país, não é o mesmo que governa. Você se pergunta: Por quê não lhes é dado o direito?

“O filme acaba aqui. Lá fora, a tua vida, como a desses homens, continua”.

A luta continua depois que o filme acaba e filmes como esse de Leon, apesar de ter sido feito em 1964, parece mais atual do que nunca, levando em consideração o momento político que o Brasil está passando às vésperas da eleição mais importante desde a redemocratização. 


argumento, roteiro e direção LEON HIRSZMAN fotografia e camera LUIZ C. SALDANHAprodução executiva ARNALDO JABOR montagem NELSON PEREIRA DOS SANTOSnarração FERREIRA GULLAR coordenador de produção DAVID E. NEVE letreiros, assistente de montagem LYGIA PAPE co-roteiristas ARON ABEND, LUIZ C. SALDANHA, ARNALDO JABOR sistema de sincronização LUIZ C. SALDANHA laboratórios LIDER CINEMATOGRÁFICA e ATLANTIDA CINEMATOGRÁFICA restauro patrocinado peloPROGRAMA PETROBRAS CULTURAL apoio CINEMATECA BRASILEIRA e SECRETARIA DO AUDIOVISUAL MINC


NOVOCINE agradece a Maria Hirszman




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CACTOS E AS OUTRAS PLANTAS 2018, PT, 21 min


um filme de CAMILA VALE

No Barreiro de hoje, Camila e Gabriel encontram-se. Entre margens e o lento crescimento
dos cactos, descobrem um no outro o meio para sentirem a ausência que os atravessa.



Entrevista a Camila Vale

Novocine: Os teus filmes exploram uma dimensão plástica onde o que ouvimos e aquilo que vemos servem propósitos muito diferentes, pois evocam imagens que não estamos necessariamente a ver, seria essa a tua intenção?

Camila Vale: Gosto muito da ideia de um cinema que vai além do que vemos e escutamos. No sentido em que a forma como filmo certas imagens que, por vezes, podem ser mais viscerais e sons que são gravados de uma forma muito próxima possam evocar uma reação corporal no espectador. Por vezes podem ser estados de imersão total ou até um certo desconforto. No momento em que estava a escrever o Cactos interessa-me muito por ASMR’s, de pessoas a comer ou falar muito baixinho, mas muito perto do microfone, alguns vídeos eram super relaxantes mas havia uns que me causavam um certo desconforto.

NC: Em Cactos e As Outras Plantas és a protagonista, este é o primeiro grande exemplo deste gesto no teu corpo de trabalho, como o recordas? E como é o teu processo de casting dos actores?

CV: Já tinha feito alguns exercícios de vídeo com o meu corpo. Coisas rápidas que queria muito filmar e na altura só estava lá eu e tinha uma ideia muito exacta do que queria e começava a filmar. Além de que sempre gostei de me colocar em situações físicas de extremo: como muito frio, cansaço, comer. Assim que há uma "ação" é uma missão para mim. Eu, pelo menos, vejo-o dessa forma. Torna-se sempre um exercício.
No caso do Cactos, a história começou no verão anterior a começarmos a rodagem e eu estava num momento complicado emocionalmente e o Gabriel, que tinha 10 anos, aproximou-se de mim e perguntou-me porque é que eu estava triste. Nós estávamos numa tarde de verão numa piscina. As crianças, incríveis como são, não conseguem perceber porque raio aquela rapariga está para ali a chorar com uma piscina ao lado. Mas ao mesmo tempo vi muito carinho da parte dele ao parar a sua brincadeira e perguntar-me isso. Neste caso, a resposta é esta: o filme começa pela relação entre mim e o Gabriel, que durante o processo do filme foi uma história de cuidar e conhecer. Portanto só podia ser eu e o Gabriel a fazê-lo. Depois fizemos um pequeno casting para ver como corria em câmera e para mostrar ao resto da equipa. E percebemos logo que havia ali algo.


NC: No Cactos e as Outras Plantas a personagem principal, é uma jovem adulta que vive sozinha, algo solitária e no processo de se tornar hospedeira de bordo, e cuja vida se cruza com a de um rapaz que fugiu de casa e é acolhido por ela. No Selvajaria (filme que sucede Cactos) a tua personagem é uma rapariga que arranja televisões/material electrónico e mantém uma relação sensual e curiosa com uma webcam girl. São dois filmes que fizeste sequencialmente, que escreves, realizas e protagonizas. Qual é a relação entre estas duas personagens que criaste? São duas pessoas diferentes?

CV: No Cactos havia uma relação muito direta com a minha vida, eu realmente tinha ido a uma entrevista para me tornar hospedeira de bordo e desistir do cinema. E fui aceite, mas depois conheci o Gabriel. Mas eu creio que a personagem do Selvajaria é a consequência da Camila do Cactos. No primeiro há uma tensão entre as preocupações da vida adulta vs infância. A Camila aparenta ter alguns medos, enquanto que o Gabriel apesar de jovem é corajoso e caminha sozinho. No Selvajaria exploro diferentes tipos de amor e relações físicas. Mas obviamente que se relacionam, as duas Camilas continuam a olhar para o mundo da mesma maneira, a cuidar de algo ou alguém.


NC: A música que acompanha Cactos e as Outras Plantas funciona como um tema que além de acompanhar, define e relembra o tom do filme. O prólogo inicial abre com essa mesma música. Foi algo premeditado?

CV: O tema que abre o Cactos foi inspirado nesse mesmo movimento que o Gabriel está a fazer, o que é engraçado porque foi uma cena filmada sem que ele soubesse e não estava no guião. Ou seja, transmite exatamente esta ideia juvenil, despreocupada, intuitiva do Gabriel.

NC: Nesse sentido, o trabalho que desenvolveste com o músico Pedro Tavares (funcionario.bandcamp.com) tanto no Cactos e as Outras Plantas como no Selvajaria acontece de que forma?

CV: Sim, eu e o Pedro trabalhamos juntos desde o meu primeiro filme e seguimos até hoje. Todos os temas são originais criados para os filmes. Mas o Cactos foi o primeiro filme que trabalhamos juntos e foi mais a banda sonora. Nos filmes seguintes trabalhamos som, foley e banda sonora. Percebemos que temos uma maneira de criar estes espaços sonoros semelhante.

NC: Como é o teu processo de trabalho, não só criativo, mas também a nível prático, dos teus filmes? O que destacarias? Que constrangimentos e liberdades tens encontrado?

CV: Bem, eu tive a sorte/azar de fazer os meus filmes sem fundos. Sorte neste caso porque tive um grupo de colegas/amigos talentosos com quem partilhei as ideias e colectivamente fizemos estes filmes. Às vezes sinto que tenho alguma dificuldade em apresentar uma ideia acabada antes de começar a filmar, porque há muita coisa que muda durante o processo. E na verdade o processo de filmar é o que me dá mais prazer. Há um espírito e um sacrifício colectivo. Muitas horas sem dormir. Essa experiência fica connosco quando vamos estrear um filme, por vezes gostava que fosse possível partilhá-la mais com o público. Como costumo filmar em casas, gosto muito de ter um momento para cozinhar para a equipa e os atores. É um momento em que todos estão relaxados e dá-me tempo para pensar, porque estou focado noutra coisa.


NC: Em que aspecto é que o teu interesse por cinema de arquivo e found footage, e o trabalho que desenvolves com revelação de pelicula, influencia os teus filmes e/ou como pensas o cinema? O que nos leva a outra questão: No que estás a trabalhar agora?

CV: Tenho um longo percurso com a película na verdade. Tive um laboratório com a Margarida Albino, leciono aulas de Super 8 no Arco há 5 anos e tenho um enorme arquivo de filmes domésticos. Essa relação com a película é difícil de explicar, mas creio que possa estar ligada com a tua primeira pergunta: a importância da materialidade nos meus projectos. Nesse sentido, o celuloide oferece uma extensa gama de possibilidades de manuseamento. Há uma liberdade criativa que vem de fazer coisas com as mãos, pelo menos na maneira como o vejo. Neste momento estou a fazer um mestrado em Arquivo na Elias Querejeta Zine Eskola, o meu projecto é sobre o manuseamento de máquinas de cópias analógicas, mais concretamente as potencialidades da Optical Printer - o conceito que estou a trabalhar é a dimensão do erótico no espaço doméstico. O que, agora que vejo, está extremamente relacionado com os meus filmes, na verdade.

NC: Conseguirias eleger algumas referências que para ti representam uma influência direta ou indireta no teu trabalho ou simplesmente objectos que consideras únicos e relevantes?

CV: Directamente e mais em relação ao Cactos, apesar de ser uma inspiração constante, o Tsai Ming Liang. Foi o primeiro realizador com quem me identifiquei e percebi que havia este tipo de cinema, no qual dentro de um copo de água existe todo um mundo de corpos que se movem em cidades. Os filmes da Lucrecia Martel também foram motores de inspiração principalmente em relação ao uso do som fora de campo, a importância do suor e do toque. Em relação à imagem em movimento fora da sala de cinema, o trabalho da Eija Liisa Ahtila e da Anne Charlotte Robinson tocaram-me por certa sensibilidade feminina e emocional que abordam. Estas personagens alienadas tentam subir os degraus da idade, infância, adolescência, vida adulta… Há uma cena que nunca me vou esquecer que é a Adele (La Vie d’Adele) a comer massa à bolonhesa, adoro um filme que dá vontade de comer quando saímos do cinema! Até hoje quando como massa bolonhesa lembro-me da Adele a comer e a lamber o garfo de seguida. A casa de banho, a cozinha e os meus vizinhos são as minhas grandes inspirações. Principalmente tomar banho.


argumento e realização CAMILA VALE imagem CAMILA VALE, MIGUEL TAVARES edição CAMILA VALE, MIGUEL TAVARES som JOÃO RAMOS, ELOÍSA SILVA com CAMILA VALE, GABRIEL ALBINO, CAROLINA MOURÃO, CLÁUDIA DE PALOL, ELOÍSA SILVA, INÊS DO CARMO, LEONOR GUERRA, MADALENA REBELO, MAURO CORDEIRO, MIGUEL TAVARES, TIAGO SOUSA banda sonora PEDRO TAVARES produção FILMES SIMULACRO




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O MOVIMENTO DAS COISAS 1985, PT, 89 min


um filme de Manuela Serra

Histórias do quotidiano de silêncio. Em caminhos desertos de vento inquietante, numa aldeia do Norte. Há um dia de trabalho atravessado por três famílias: quatro velhas, o campo, o pão, as galinhas e, a lembrar-nos, clareiras de histórias velhíssimas de gestos saboreados em mineralógicas palavras. Uma família de dez filhos numa quinta mergulha na largueza do tempo, no gesto todo do trabalho, o pai corta uma árvore. Mais longe, a água do rio habitado por gente, numa barca, o sol, e o largo da aldeia, a ponte em construção, a varanda, a refeição, a densidade e o misticismo ao domingo, a missa e a feira: ritualizada ao sábado. Nestes fragmentos de cenário move-se Isabel, também, com os olhos postos no futuro, para lá dos outros, em que o sentido da vida é apenas viver.

Teresa Sá, sinopse original



Conversa entre Rita Morais e Manuela Serra 

Rita Morais: Como forma de introduzir o filme, que se passa numa aldeia no Alto Minho, em Lanheses, pode ser relevante falares-nos um pouco sobre esse processo, a tua chegada a Lanheses, o porquê desta aldeia, nestes anos específicos, entre 1979 e 80.

Manuela Serra: Ao decidir que o filme se passaria numa aldeia, andei à procura da aldeia que pudesse melhor servir os meus intentos em Portugal. Procurei primeiro no Sul, a minha ideia eram aquelas planícies Alentejanas e aquela arquitectura baixa. Mas nessa altura, em 1978, que foi quando eu fui viajar, havia ali um ambiente muito fechado para a mulher. Ir a uma tasquinha beber um café era mal visto, pelo que não senti receptividade para ficar ali, nem da parte dos homens, nem da parte das mulheres. Era preciso um passaporte, digamos. As mulheres foram também desagradáveis comigo, sentiam alguma desconfiança. Penso que hoje está diferente embora me tenham dito que ainda não é muito comum as mulheres entrarem nas tabernas, mas não sei, só indo. De qualquer forma, isso fez-me voltar um pouco para o Norte, onde, apesar de tudo, as mulheres eram mais abertas. Mais abertas ao que é novo, ao que é diferente. Foi muito mais fácil comunicar, nunca me senti hostilizada, nem naquele primeiro impacto que é ir ao restaurante ou a um café, que é o primeiro contacto que se tem numa aldeia… A Beira era uma região mais tristonha em relação ao Minho. O Minho é mais alegre e também me prendeu por isso. Tinha uma indicação daquela aldeia de Lanheses e apaixonei-me pela aldeia que é lindíssima, com o rio… Depois falei com o padre e ele foi muito receptivo…

RM: O padre que aparece no filme… A cobrar a dízima?

MS: Também. Aí é o Sacristão, penso, que lá está a cobrar mas, sim, é o mesmo padre. E é também aquele que se cruza com o homem da bomba de gasolina. Eles aceitaram representar e teve piada porque estavam zangados e não se falavam na altura. O padre apareceu no largo e eu fui-lhe pedir que entrasse no filme. Como aceitou, tiveram de fazer as pazes para representar. Portanto, a minha escolha foi feita pela beleza da aldeia e talvez ainda por ter sido bem recebida. Além disso, como era uma aldeia numa estrada que vai de Viana de Castelo para Ponte de Lima, não era muito fechada sobre si. Era uma aldeia de passagem, o que a tornava mais aberta a pessoas diferentes.


RM: Num texto da Teresa Castro, escrito a propósito da estreia do filme em Londres, lia-se uma associação entre o filme e a lenda por trás do rio Lima, que é o rio do esquecimento, cuja água uma vez bebida faria com que se esquecesse a vida vivida até aí… Sendo curiosa a relação entre o rio e aquilo que o filme procura retratar: uma transição, um mundo que há-de ser engolido por outro e de alguma forma deixado para trás, esquecido. Queres falar-nos um pouco dessa busca pelo movimento das coisas?

MS: É claro que o filme está cheio de simbolismo, que na altura para mim era muito importante. Já não me lembro de muita coisa. Eu concebi este filme, tinha 30 anos e agora tenho 74. Além disso, esta ruptura que eu fui obrigada a fazer com o cinema desmotivou-me muito da sociedade em geral. Uma sociedade que não deu resposta ao trabalho que eu fiz, que o desvalorizou, desde me mandarem cortar o filme para 45 minutos à falta de reconhecimento a que eu fui sujeita neste país. Isto para mim teve um efeito bastante nefasto, de descrédito perante a sociedade, o que me fez voltar as costas e até sentir uma certa rejeição ao intelectual, porque foram os intelectuais que denegriram o filme… Isto levou-me, não a levar a vida com superficialidade, porque fiz amizades muito profundas até à morte, mas a fazer uma espécie de cruz em relação à sociedade e daí uma rejeição minha à própria intelectualidade. Claro que isso se foi diluindo com o tempo e os meus amigos, com quem fui convivendo, me apoiaram. Não me deixaram viver no isolamento intelectual, mas tudo o que tivesse a ver com o cinema, fiz uma cruz. Falar do esquecimento… Toda a vida, não sei se é para toda a gente, mas para mim, percorreu sempre a necessidade de esquecer o negativo ou as ausências, os lutos… A minha vida foi sempre muito recheada de lutos, de perdas, de mortes, mas também de rupturas com pessoas, como a cooperativa por exemplo, que foi um casamento entre muitas pessoas e que de um dia para o outro se rompeu.

RM: Quando fundaram a Cooperativa Virver em 1975, e na imediata saída de um regime fascista, quais eram as expectativas e ideias-chave dentro desta proposta que é a de fazer cinema de forma cooperante?

MS: Nós viemos quase todos de Bruxelas, vivíamos todos em Bruxelas e frequentamos a mesma escola de cinema em Bruxelas. É a forma mais feliz de se viver, a de trabalhar com as pessoas de quem se gosta, com as pessoas com quem se tem afinidades. E, no período construtivo, foi muito bom. Há atmosferas que eu nunca esquecerei. Em cada canto, cada um a ocupar-se da sua função: um da montagem, outro da produção, outro a tratar da escrita de um guião… Havia uma atmosfera e um ambiente muito rico. Podíamos partilhar, pedir opiniões… São anos muito felizes, estes que recordo. Partilhar afectos e trabalho. Quando fui realizar, a cooperativa alargou no número de pessoas e estas trouxeram outras influências… Há uma coisa muito importante que são os extractos sociais e as suas origens e cada extracto social tem objectivos diferentes. Na minha visão, isto só poderia ter sido construtivo e foi demolidor. Para uns o objectivo é enriquecerem e serem famosos, para outros é a entrega à arte e para outros é apenas ver se sacam dinheiro. Portanto a coisa começou a definir-se em termos de classes e aí éramos de facto muito diferentes. A grande ruptura para mim foi quererem que a Cooperativa se afiliasse a um partido político para ter trabalho e, depois, a má formação de alguns para quem vale tudo para ter dinheiro, inclusive trair os outros membros da cooperativa… Os valores começaram a degradar-se e o facto de eu realizar foi negativo para a cooperativa, já que eu tinha uma posição de fundo em que me ocupava de produção, da montagem, da escrita. Acompanhava todo o processo do trabalho que se desenvolvia na cooperativa e ao realizar tive de deixar de parte muita coisa para me dedicar ao Movimento das Coisas. Acho que isso desequilibrou a Cooperativa.


RM: Li que na hora de votar, eras a única que ainda queria que a cooperativa se mantivesse.

MS: Eu queria porque precisava de acabar o filme. Nem que fosse por isso. Acabei por conseguir acabá-lo sozinha mas, hoje, com esta distância e o facto de ter sido obrigada a lembrar-me do que se tinha passado há trinta e tal anos, fui obrigada a recordar. Isto foi uma coisa que eu quis esquecer e que agora voltou e, analisando-a à distância, houve elementos que queriam mesmo que eu não acabasse o filme. Aquilo que era uma cooperação passou a ser cada um a puxar para o seu lado. Na altura, só dava para fazer 3 ou 4 filmes por ano. Eu tenho ali uma lista que fiz nos anos 90 e nós éramos 60 pessoas. A desproporção era muito grande.

RM: O filme demorou mais de 30 anos a estrear em sala e, ainda assim, recebeu elogios do Manoel de Oliveira ou do Paulo Rocha…

MS: Eles elogiaram-me mas não ficou escrito. Disseram-me a mim. Por exemplo, o Manoel de Oliveira enviava-me convites para as antestreias e nem sei porquê, porque nós praticamente não nos conhecíamos. Mas tudo isso me dava a segurança de que eu tinha feito um bom trabalho. Como ter tido muito sucesso nos festivais a que fui no estrangeiro. No ano em que acabei O Movimento das Coisas, as pessoas que vinham do estrangeiro ver os filmes ao Instituto Português do Cinema gostavam muito do filme. Mas dentro do Instituto Português do Cinema criaram uma inimizada comigo. Ora, se um trabalho não te é reconhecido, dificilmente te darão subsídio para fazer outro. Era uma promiscuidade incrível, os funcionários do Instituto eram simultaneamente familiares do Director… E também é verdade que havia todo um jogo de sedução para o qual eu não tinha paciência. A partir do fim da Cooperativa, achei que tinha de fazer bem a divisão entre os afectos e o trabalho e, portanto, não tinha o perfil para me adaptar.


RM: De qualquer das formas, entretanto o filme estava feito e não sai. Para além da questão de fazer outro filme, falamos de um filme que já existia.

MS: Isso vem corroborar um pouco com o que te estou a contar agora. O Pedro Bandeira Freire fez-me uma vez uma proposta, com um ar muito paternalista: “Olha, e se cortares o filme para 45 minutos para poder passar na televisão?” O Director do Instituto, na altura, disse que o filme era uma merda. Isto é textual. Eu não acredito que um professor da Escola de Cinema não tivesse percebido que o filme tinha qualidade, não consigo perceber isto. (risos) Eu agora estou a entrar por um caminho um bocado chato… É um bocado chato estar a dizer mal das pessoas, eu já fui criticada por isto, mas é verdade, foi o que aconteceu…

RM: Este reencontro com o filme, por outro lado, permite-te precisamente recuperar uma cena final do filme, a da fábrica, que querias manter e que te foi aconselhada à época a cortar.  Como tem sido este reencontro com O Movimento das Coisas décadas depois?

MS: É exactamente o inverso, é o contrário do que eu vivi depois de o ter terminado. Hoje em dia encontro sempre pessoas que gostam muito do filme, o filme é sempre muito bem aceite, é muito aplaudido e as pessoas são sempre maravilhosas para mim. Não sei se é por vocês serem jovens, mas eu só tenho a agradecer hoje em dia o bem que me tratam. Fui muito hostilizada, do género de me virarem a cara, e hoje esta recepção sustenta-me um pouco como pessoa. É o que me sustenta com o mundo, no estado em que está tudo. Estou muito isolada e se O Movimento das Coisas não tivesse ressurgido, teria uma vida muito deserta do exterior. Portanto, hoje em dia, eu sair e ter contacto com jovens, para mim é um alimento muito forte.

RS: Pensando ainda no que é ver este filme hoje pela primeira vez, não deixa de ser relevante que o título inicial fora “Mulheres”. De que forma é que o título e a ideia primeira do filme se adaptam e transformam naquilo que é O Movimento das Coisas, onde a representação do gesto está tão presente?

MS: Uma coisa muito importante para mim, na altura em que fiz o filme, era usar a sensibilidade mais do que a oralidade. Era uma necessidade minha como artista, mostrar que era capaz de fazer sentir as pessoas ou trazer cá para fora a minha forma de sentir, a maneira como eu própria sentia. Tanto que o fio condutor do filme é a minha sensibilidade e fui encaixando essa sensibilidade para transmitir o que sentia e via ali. Portanto, quando cheguei à aldeia, comecei a organizar-me. Já tinha a ideia de filmar três famílias diferentes porque já ia com a ideia de abordar qualquer coisa que ia mexer com Portugal, que era a entrada na União Europeia e tudo iria ser alterado. Sabia que aquela harmonia ia desaparecer rapidamente e concentrei-me em filmar três famílias. A estrutura do filme é muito simples. Pedi ao padre indicação das famílias precisas cujas crianças participassem no trabalho do campo com os pais: uma família grande, uma família que sugerisse o desaparecimento, que é a das quatro mulheres, e outra do futuro, que tinha a miúda que trabalhava fora da aldeia. Pedi ao padre esse tipo de famílias e fui ter com elas. No fim da missa, o Padre explicou quem eu era, anunciou que eu queria filmar e pediu para me deixarem entrar e eu fui pedindo às pessoas para ficar quieta em casa de cada família, onde ia estando um bocadinho de manhã, depois à tarde, conversava… Fui-me apercebendo do que é que elas teriam capacidade de fazer perante a câmara. Estive lá uma semana, recolhi notas, vim para Lisboa e fui estruturando o filme. Com uns, tomava o pequeno-almoço, depois com outra família fazia a parte do almoço. Fui distribuindo as tarefas e equilibrando entre o trabalho, o recreativo e o religioso. Foi uma construção feita estando com as pessoas. Estás num sítio e vais-te apercebendo do que é que se passa, da dinâmica do espaço e da família. Foi assim que eu fui construindo o filme. Claro que a própria existência deles é feita de imensa simbologia. Eu montei em paralelo a missa e o rio como uma alternativa à vida da espiritualidade, que não está confinada na igreja. A natureza dá só por si a espiritualidade.


RM: A oposição entre a igreja e o rio é parte das dualidades para as quais o filme aponta, também entre o ancestral e a máquina, que sempre ameaça…

MS: Sim. E há sempre um som ameaçador no que diz respeito ao desenvolvimento… Na ponte há esse som ameaçador, na fábrica…

RM: Trabalhado com José Mário Branco…

MS: Sim, ele percebeu o filme, ele sentiu o filme. Foi muito fácil trabalhar com ele, fácil e rápido. Ficou tão entusiasmado que um ou dois dias depois de termos visto o filme e acertado o que eu queria, o trabalho ficou feito. Depois foi só acertar na sonoplastia. Ele fez inclusive certos sons a mais para me dar possibilidade de lhes dar continuidade e cruzá-los. Fez a música de forma a eu poder montar.

RM: Estas dualidades e oposições, surgem tanto na imagem como no som, a partir da montagem. Este processo de montagem, como foi?

MS: Eu trabalhei a montagem com a Dominique Rolin que é uma montadora muito sensível. Fiquei um pouco aborrecida porque no processo final, ela foi-se embora. Quando a cooperativa acabou, eu fiquei de um lado e eles ficaram do outro com o dinheiro que pediram indevidamente. O que é certo é que a Dominique abandonou o trabalho e eu tive de fazer a sonoplastia sozinha, que é um processo muito trabalhoso porque se trabalhava em mesas de montagem com três pratos e o som são cinco bandas, quanto cortas um bocadinho ou acrescentas um bocadinho, tens de fazê-lo nas bandas todas…


RM: Terminaste o filme já sem fundos…

MS: Eu demorei tanto tempo a terminar o filme porque dois ou três elementos da cooperativa pediram dinheiro ao Instituto Português do Cinema e depois e quando o Instituto lhes pedia para justificá-lo, diziam que tinha sido eu que o tinha gasto, pelo que não me davam a última prestação para eu terminar o trabalho enquanto eu não justificasse o dinheiro. Ora, eu não podia justificá-lo porque nem sabia que eles tinham pedido aquele dinheiro. Eram 2.500 contos, que era mais do que eu tinha tido para fazer o filme. Fiquei encalacrada três anos e tal até conseguir provar junto do Instituto que aquele dinheiro não tinha sido eu a gastá-lo. Estas coisas todas fizeram-me ficar zangada com as pessoas. 

RM: E as pessoas do filme… Reencontraste a Isabel?

MS: A Isabel morreu, ainda não tinha acabado o filme. Depois para mostrar o filme em Lanheses, pedi apoio ao Instituto Português do Cinema mas não mo deram, de maneira que só consegui mostrar lá o filme há relativamente pouco tempo porque houve um grupo de admiradores nos Encontros do Fundão que viu o filme e foram comigo lá a Lanheses há três ou quatro anos. Quem ainda viu o filme foi uma menina muito pequenina que brinca com o cão no filme. Essa rapariga estava presente e até disse uma coisa engraçada: que aquilo lhe mostrou como ela tinha sido feliz na infância. Pelo menos para isso serviu, para ela. Este filme está cheio de histórias tristes… Mas melhora para o fim, não é?


realização MANUELA SERRA argumento MANUELA SERRA fotografia GÉRARD COLLET música JOSÉ MARIO BRANCO som RICHARD VERTHÉ sonoplastia LUÍS MARTINS montagem DOMINIQUE ROLIN assistentes de realização TERESA VASCONCELOS E SÁ, DOMINGOS SIDÓNIO director de produção ANTÓNIO SEABRA produção MANUELA SERRA laboratório de imagem TÓBIS PORTUGUESA estúdio de som NACIONAL FILMES


NOVOCINE agradece à Manuela Serra e a The Stone and The Plot




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VANDO VULGO VEDITA 2017, BRA, 22 min


um filme de Andréia Pires & Leonardo Mouramateus

Vando (vulgo Vedita) não é visto faz um tempo nas ruas da Barra.





Texto por Daniel Pizamiglio

Vs À PROCURA DE V

A primeira vez que vi o filme “Vando Vulgo Vedita” (2017) de Andréia Pires e Leonardo Mouramateus, pensei sobre a aventura e o trabalho de um luto coletivo.

Pensei que o filme traz uma ideia de percurso, memória, incorporação e travessia.
Pensei em como o filme começa e em como ele termina: o início é uma viagem e o fim a travessia de uma ponte. Parece que nada mudou, mas tudo muda. De alguma maneira, o filme é o fazer coletivo de um luto de um bando de amigues, a sua forma de resistirem à violência do desaparecimento do seu amigo, V. Este fazimento, este trabalho, passa pela multiplicação do seu corpo em várias identidades e significados. É esta a sua viagem. Como no poema, depois que o corpo morre, o amor jorra.

Em outras palavras:
VVV é um poema sobre os ilimites do amor depois de uma pegação gostosa no meio da rua.
VVV é um filme que pulsa entre a amizade, a partilha e o fazer de um luto coletivo.
VVV é uma comunidade de amigues ressignificando o desaparecimento de V.
É rememoração, procura, incorporação e transformação do mundo onde reside a violência que ele sofreu.
VVV é um desejo de liberdade de um grupo, fazendo amor-luto no encontro entre o rio Ceará e o mar.
VVV é essa ideia da ressignificação coletiva das perdas num mundo onde impera a violência, como forma de encontrar e elaborar hipóteses de um mundo diferente.

Depois que revejo o filme “Vando Vulgo Vedita” (2017) de Andréia Pires e Leonardo Mouramateus, penso: o fim nunca é o fim.



roteiro e direção ANDRÉIA PIRES & LEONARDO MOURAMATEUS elenco BRUNA PESSOA, DANN CAMPOS, BIRA FELIPE, ELLEN GABRIELE, GABRIEL FARIAS, GETÚLIO CAVALCANTE, JACQUELINE PEIXOTO, LEONARDO WILLIAM, LUCAS GALVINO, LUCAS KAHLO, MACAKIN DAS GALÁXIA, MATEUS MESMO, MILTON SOBREIRA, SARA SÍNTIQUE, VERONIK VIOLENCIA produção CLARA BASTOS, GEANE ALBUQUERQUE, ANDRÉIA PIRES & LEONARDO MOURAMATEUS fotografia VICTOR DE MELO montagem TOMÁS VON DER OSTEN música BANDA GLAMOURINGS som RODRIGO FERNANDES figurino MILTON SOBREIRA vendas PRAIA À NOITE