NOVOCINE

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MAIORIA ABSOLUTA 1964, BRA, 18 min


um filme de LEON HIRSZMAN

Filmado em 1963 e montado no início de 1964, “Maioria Absoluta” mostra as condições de vida dos camponeses impedidos de votar e denuncia a desigualdade social no país. Com o advento do golpe militar, o documentário ficou proibido até 1980.



Meu risco sempre foi esse. Joguei no campo das minhas convicções. Eu jogo no campo da liberdade, pela liberdade. Eu não jogo no campo da hesitação e da noite. Não, não jogo nesse campo, porque eu acho que o intelectual que jogue no dia e que jogue em contacto e que jogue na interação com o povo, numa perspectiva comum que seja de um processo de justiça social, de paz mundial e de democracia efetiva, de ampliação constante da democracia no país, eu acho que esse intelectual tem um caminho real.
entrevista a Leon Hirszman à rádio Jornal do Brasil, 1981



Texto por Aline Belfort

Todos concordamos que a educação é um dos pilares para uma sociedade livre e justa. Escrever é uma das formas possíveis de desenhar o pensamento, uma das formas possíveis de ter voz numa sociedade. Até o ano de 1985 quem não sabia ler ou escrever não poderia votar no Brasil. Esta conquista veio com a aprovação da Emenda Constitucional nº 25, num contexto de redemocratização do país com o fim da ditadura militar e de ampliação da participação das maiorias sociais na política.

1964, ano do golpe militar no Brasil, o filme começa com uma aula de alfabetização, as palavras são a luz num ambiente escuro onde silhuetas observam atentamente os traços formarem palavras, formarem pensamentos. “O tema deste filme não é a alfabetização, mas o anafalbetismo, que marginaliza 40 milhões de irmãos nossos” ecoa a voz de Ferreira Goulart depois de uma oração que canta “esperança nossa”, última frase dessa prece, que sutilmente fala que apesar de tanto sofrimento, é de fé que o povo segue e acredita num caminho possível de justiça.

O ano de 1964 era um ano de tensão e esperança naquele país, de um lado João Goulart, presidente da república, que foi até a estação Central do Brasil no Rio de Janeiro e anunciou uma série de medidas que poderiam ter mudado os rumos daquele país que vivia na sombra de um passado colonizado. O comício da central reuniu cerca de 150 mil pessoas e anunciava medidas tais como a reforma agrária e a reforma educacional, cujo um dos focos era o combate ao analfabetismo através do método Paulo Freire. Método esse que é o que aparece no filme, o processo proposto por Paulo Freire inicia-se pelo levantamento do universo vocabular dos alunos. Através de conversas informais, observa-se os vocábulos mais usados pelos alunos e a comunidade e, assim, seleciona as palavras que servirão de base para as lições. Um método que leva em conta a vivência daquelas pessoas, as letras e sons assim são assimiladas com mais facilidade. “Barraco” é a palavra que aparece no filme.

Leon Hirszman, em seu segundo filme "Maioria Absoluta", capta a ambivalência no Brasil da época com críticas, história e um potente jogo de edição feito por Nelson Pereira dos Santos, e imagens (Luiz Carlos Saldanha) que comunicam junto à voz-narrativa de Ferreira Goulart.“Justamente por não conhecermos as suas causas, buscamos soluções absurdas e remédios milagrosos”. Leon dá voz e imagem a diferentes esferas da sociedade brasileira, focando sua direção na diferença: As estações de trem ou feiras populares onde o povo não para, câmera na mão, zoom-in no olhar de quem a injustiça e a fome castigaram, em absoluto contraste com as cenas anteriores, que felizmente ocupam pouco espaço no filme, onde a burguesia clama seria a falta de vergonha na cara ou a indolência algumas das possíveis causas do problema brasileiro, em planos estáticos, de paz, rodeada de espaço nos frames, isoladas pelo tamanho do seu ego ou pelos objetos que decoram a sua mansão.

“Os problemas são muitos e muitas as opiniões”, Leon vai até o nordeste, região mais pobre do Brasil, região histórica de luta política, para ouvir a voz dos camponeses que denunciam as más condições de trabalho, sua angústia e a sua consciência de injustiça em frames coletivos e desapressados de ouvir e mostrar as condições miseráveis de vida, que apesar disso encontra alguma forma de fazer graça. No final do filme, imagens aéreas da capital Brasília e do congresso nacional, enfatizam a relação de distância entre os analfabetos, a maioria absoluta da época, e a sua falta de direitos políticos. O povo que movimenta e alimenta o país, não é o mesmo que governa. Você se pergunta: Por quê não lhes é dado o direito?

“O filme acaba aqui. Lá fora, a tua vida, como a desses homens, continua”.

A luta continua depois que o filme acaba e filmes como esse de Leon, apesar de ter sido feito em 1964, parece mais atual do que nunca, levando em consideração o momento político que o Brasil está passando às vésperas da eleição mais importante desde a redemocratização. 


argumento, roteiro e direção LEON HIRSZMAN fotografia e camera LUIZ C. SALDANHAprodução executiva ARNALDO JABOR montagem NELSON PEREIRA DOS SANTOSnarração FERREIRA GULLAR coordenador de produção DAVID E. NEVE letreiros, assistente de montagem LYGIA PAPE co-roteiristas ARON ABEND, LUIZ C. SALDANHA, ARNALDO JABOR sistema de sincronização LUIZ C. SALDANHA laboratórios LIDER CINEMATOGRÁFICA e ATLANTIDA CINEMATOGRÁFICA restauro patrocinado peloPROGRAMA PETROBRAS CULTURAL apoio CINEMATECA BRASILEIRA e SECRETARIA DO AUDIOVISUAL MINC


NOVOCINE agradece a Maria Hirszman