NOVOCINE

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A PISCINA 2004. PT.16 min


um filme de Iana Ferreira e João Viana.

A forma como atravessamos de uma só vez uma piscina pública faz lembrar a vida desde que nasce até ao fim.



Entrevista feita a Iana Ferreira no contexto da série de entrevistas feitas pela AIPCINE “Um DF, Um Filme”

A Piscina é uma curta-metragem co-realizada por mim e pelo João Viana e o meu papel foi no fundo a concepção visual do projecto. Tudo o que dizia respeito à direcção de actores e o próprio conceito é do João Viana.

A ideia do filme era estar num espaço meio idílico, meio maravilhoso. Esta ideia da piscina ser um espaço bom para se estar mas ao mesmo tempo ser meio decadente ou ter partes, pelo menos, decadentes, que no fundo fariam pensar sobre o que é aquele espaço. Existe também o exterior que se vê no início do filme, onde está, chamemos-lhe, o mundo real, onde está o pastor, uma mota que passa e por aí fora.

A ideia foi sempre o percurso, ir-se descobrindo as várias vertentes deste espaço e o que é que isto podia eventualmente significar. Desde início que foi pensado para ser um plano sequência que foi a parte mais fundamental para mim porque foi um desafio gigantesco e que deu muito gozo. Na realidade, no momento de concretizar e depois de filmar, uma pessoa pensa - uau, até se conseguiu, melhor ou pior, fazer todo este percurso.

O filme teve bastante tempo a ser preparado do ponto de vista conceptual porque, embora tenha um plano de início e um plano de fim que correspondem ao genérico e ao fim do filme, toda a parte em que se passa algo no filme é um plano sequência e portanto houve muita preparação para definirmos o que é que se iria filmar. Tinha de estar tudo preparado na altura de filmar porque não dava propriamente para depois tirar ou pôr cenas e portanto teve todo um tempo de preparação bastante longo.

No décor propriamente dito, tivemos quatro dias, três deles foram ensaios. O primeiro dia foi praticamente só para montar as calhas e ensaiar uns projectores, e ver os problemas que se colocavam. Nós fomos para o décor várias vezes antes, para perceber como é que havíamos de filmar e para ter uma noção da movimentação, mas é evidente que quando se vai depois montar tudo, há uma quantidade de obstáculos desde desníveis do próprio terreno a passagens por um sítio e por outro que não se conseguem antever. Tivemos de preparar o próprio décor antecipadamente com a ajuda de pessoas e até empresas. Por exemplo, existem partes no filme onde a câmara por cima de uma das piscinas e teve de vir uma empresa de andaimes colocar uma plataforma para que a grua pudesse passar por cima. O plano é todo feito com uma grua. Portanto, o primeiro dia foi para perceber as questões que se punham e como é que conseguiríamos viabilizar todas aquelas ideias e depois dois dias foram de ensaio que se fizeram progressivamente com mais pessoas. Digo pessoas porque no início só tínhamos alguns standins para fazer movimentações e aos poucos e poucos começaram a chegar os actores, digamos principais, para ensaiarmos. Depois começou a vir mais figuração e a figuração efectiva que está na filmagem só chegou no próprio dia.

E fomos ensaiando. Filmávamos no exterior da piscina e depois tínhamos de passar para o interior, até porque a câmara entrava dentro de água e saía e durante os dias de ensaio nós não podíamos ensaiar tudo de seguida porque a piscina interior estava a funcionar com aulas durante o dia, portanto, nós ensaiávamos tudo cá fora porque era Abril e a piscina exterior ainda não estava operacional e depois, a partir do final da tarde, já nos deixavam entrar e aí montávamos o resto das calhas. No dia de rodagem já tínhamos tudo liberto para nós.

Tínhamos de filmar tudo durante a manhã porque a partir da hora de almoço a sombra da grua entrava em campo e portanto sabíamos que tínhamos de ter o plano até às 12h30 sensivelmente.

O filme foi subsidiado e quando finalmente percebemos que conseguíamos avançar com o projecto eu comecei a reunir bastante cedo com o Zé Tiago da Planar e a ter conversas com o maquinista. O maquinista, o Carlos Santos, foi fundamental neste filme, porque era ele e a sua equipa quem guiava o movimento e mantinha o ritmo. Comecei a reunir com o Zé Tiago, por um lado, para tentarmos explorar as propostas que eu tinha e as possibilidades de como é que nós íamos fazer isto de ter uma câmara que se movia em todo um espaço e que conseguia ver uma quantidade de coisas e que para além disso ia para dentro de água e voltava a sair e continuava a filmar. Era para ter sido filmado em 35mm mas por causa da questão da câmara ir para dentro de agua, teve de ser em 16mm e depois foi feito um blow-up. Isto foi na altura em que os cinemas ainda projectavam em 35mm. Filmou-se se em 16mm porque não houve maneira de ter um scuba, uma protecção subaquática para 35mm, 300 metros, porque o plano original tem entre 10 e 11 minutos e portanto tivemos de passar para 16mm para ter um scuba com os 120 metros que era necessário para poder filmar. Tínhamos 6 latas de 120 e começámos o plano seis vezes mas duas dessas vezes, o plano foi cortado e sempre que o plano era cortado, isso implicava recomeçar tudo do zero e mudar a bobine. O João estava com um cronómetro e todas as pessoas da equipa estavam muito conscientes dos tempos que eram precisos, porque um dos perigos era chegar ao fim e acabar a película se nós nos atrasássemos.

As conversas começaram muito cedo com o Carlos Santos porque sem o maquinista este filme não se fazia, não havia qualquer hipótese. Houve várias conversas com ele sobre se seria alguém com steadicam a fazer o percurso, se seria uma grua, se seria com câmara à mão. Também havia a questão de que eu gostava de fazer a câmara portanto, efectivamente, de um ponto de vista técnico tinha de ser feito assim - uma grua, uma cabeça quente (comandada à distância) subaquática e com a câmara protegida com um scuba.

A outra pessoa que entrou muito cedo foi a Rosarinho, do guarda-roupa. Muito cedo, começámos a ver materiais e possibilidades, ela trazia propostas de como é que podiam ser os fatos de banho, que foram todos feitos especialmente para o filme. Íamos fazer testes, pegávamos em amostras dos panos, mergulhávamos numa piscina e tirávamos fotografias para perceber como é que as cores resultavam debaixo de água, sendo que muitas das pessoas não chegam a estar debaixo de água mas para decidirmos que cor é que era a ideal para as pessoas que iriam estar debaixo de água e para a personagem principal.

Outro departamento essencial foi o da construção e dos adereços que trouxeram uma quantidade de possibilidades que a piscina por si só não oferecia. Houve muitas coisas a serem montadas, havia partes do décor que eram móveis que se movia durante o próprio plano.

Do ponto de vista da equipa, este é nitidamente um filme em que a equipa estava ali, muito concentrada, e todos eram fundamentais, todos contribuíram imenso e sem estas contribuições não havia qualquer hipótese de se fazer este filme. Eu acho que o bom, e hoje em dia isto já é muito mais possível, é experimentar. É não querer logo ser muito perfeccionista. Digo isto porque eu própria quando comecei, achava sempre que só podia fazer as coisas quando tinha a certeza que conseguia fazer muito bem e não é assim que se ganha experiência. E portanto, é experimentar muito e uma parte que eu acho que é muito importante também é ter a noção do gozo que isto dá. É muito custoso muitas vezes, aliás é tendencialmente muito custoso e trabalhoso mas há um prazer fazer isto que uma pessoa às vezes no meio do trabalho esquece-se e depois tem de se ir lembrando - isto é o que eu gosto, isto é o que eu quero fazer.




realização, argumento e fotografia IANA FERREIRA, JOÃO VIANA com PAULO HERBERT, INÊS FOUTO, GUSTAVO SUMPTA, TERESA ARRIAGA som RUI COELHO, QUICO SERRANO montagem THOMAS BEHRENS, JOÃO VIANA música CARLOS GUEDES produção PAULO ROCHA, JOÃO PEDRO BÉNARD, SUMA FILMES distribuição AGÊNCIA CURTA-METRAGEM