NOVOCINE

No seguimento da Revolução de 25 de Abril de 1974, as paredes e muros da cidade de Lisboa tornaram-se meio para celebrar e transmitir os ideais e palavras de ordem revolucionários. O texto do pintor António Domingues exalta esta obra plástica iniciada pela Célula dos Artistas Plásticos do Partido Comunista Português.
No seguimento da Revolução de 25 de Abril de 1974, as paredes e muros da cidade de Lisboa tornaram-se meio para celebrar e transmitir os ideais e palavras de ordem revolucionários. O texto do pintor António Domingues exalta esta obra plástica iniciada pela Célula dos Artistas Plásticos do Partido Comunista Português.
PAREDES PINTADAS DA REVOLUÇÃO PORTUGUESA um filme de ANTÓNIO CAMPOS. 1976, PT, 8 min


Texto por Fátima Rolo Duarte

«Nós estamos sempre a contar coisas uns aos outros»,
Maria Gabriela Llansol, Lisboaleipzig 1 - o encontro inesperado do diverso

Ana

A velocidade de cada imagem cosida com a velocidade de cada imagem num piscar de olhos. Para que se saiba, a memória permanece afinal intacta. As paredes viram-se para fora, saem da escuridão, vibram. O som acompanha as coisas, sinais, fragmentos aparentemente desordenados. Ana Hatherly é a realizadora-tecedeira deste monumento ao 25 de Abril imediato. Vivo, louco e louvado pela montagem vertiginosa, «mosaicos incoativos» para usar uma feliz expressão de Marie-José Mondzain. E é aqui que nos encontramos, as imagens encaixam e ressuscitam na sua fragilidade, e assim mesmo perturbam o olhar e não seria demasiado afirmar que, agora, incomodam por via do vivido e vívido. E delicadas eram as que chamaremos «attrapées» de Hatherly. No corropio de sons, as «attrapées» desfilam até ao pano preto. Não se saberá se é luto, não existe a preocupação de o marcar. De tanto olhar aquele momento, a esta distância, é possível, para quem o desejar, reviver as alegrias, respirar tudo o que Hatherly mostra ao ritmo de todos os corações. Não se vislumbra cinema, mas uma gigante história de amor, «coisas» que a realizadora nos conta ou dá. Tanto faz. É possível adivinhar-lhe a vida, a morte e de novo a vida. Um ciclo de felicidade para os que aqui chegaram e a miséria de alma para os que fugiram de Portugal. Assim se explica como ontem mais hoje têm como resultado a palavra Sempre.

António

Há quem lhe chame “documentário puro” para avaliar do valor do diamante. Quanto mais incolor, maior a claridade do que é raro e precioso. Haverá quem imagine ser possível olhar para um documentário, este, do realizador António Campos e defender a «etnografia de salvaguarda» porque na medida em «que tudo passa» a vontade de não perder de vista o tempo fugitivo é o motor. Será este o caminho? Sim. Um colectivo onde nada nem ninguém se dissolve porque as marcas de Campos atravessam a obra. Enquanto a vida vai e vem, António Campos foi Jean Rouch ou vice-versa, a verdade superior em imagens extraordinárias. Repare-se como a palavra revolução se integra no quotidiano português; foices e martelos tranquilamente encostados aos símbolos mais ou menos ingénuos, muitíssimo militantes. As paredes sentinelas, « a célula de cinema do Partido Comunista Português » que assina o filme de Campos e a escolha nada casual da intensa «Sinfonia para Orquestra» de Fernando Lopes-Graça colocam-nos perante um dos momentos mais interessantes do cinema documental assente na retórica etnográfica. Assim, «Paredes Pintadas da Revolução Portuguesa, 1976» é simultaneamente um panfleto do passado como a antevisão do futuro onde estamos hoje: nas palavras do poeta Manuel Gusmão: «Contra todas as evidências em contrário, a alegria». É esta a geografia do espaço onde Ana se encontra com António e o espectador com o olhar, o visível e sobretudo o invisível. A alegria? Sempre!

Éramos todos vivos. As paredes e os muros falavam sobre as novidades. Da maior importância? Saber tudo sobre tudo. Da rua para casa, do cinema ao teatro, livros, jornais. Em casa pintei uma pequena foice e martelo cruzados no interruptor da luz do meu quarto caótico até ao Alentejo das estradas infinitas, da bicicleta por entre os pessegueiros e das letras escritas até formarem os nomes de quem pegava no lápis. Muito arroz de tomate comi eu. Muita água da bilha, muito calor. Vivia o excesso sem perceber nada do futuro. Muito filme no cinema Universal ou no quarteto onde aproveitava o intervalo para entrar sem pagar bilhete, em pleno acto de desobediência. Ou não fosse esta a «profissão» de qualquer jovem. Hoje, apenas repito que éramos todos vivos porque é esta a verdade que me sobrou de tudo o que sucedeu a partir daquela data: 25 de Abril de 1974? Sempre!


Ana Hatherly, 1929-2015, realizadora, professora, poeta, artista plástica. Obra vasta, experimental sendo a palavra uma das suas matérias primeiras.

António Campos, 1922-1999, realizador, pioneiro do cinema documental português. Um dos fundadores do movimento do Novo Cinema Português. Obra independente, trajecto solitário dedicado à antropologia visual cinematográfica.

Manuel Gusmão, 1945-2023, poeta e ensaísta, professor catedrático. Militante do Partido Comunista Português


Cópia digitalizada pela Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência. Medida integrada no programa Next Generation EU.




realização e fotografia ANTÓNIO CAMPOS música FERNANDO LOPES-GRAÇA texto ANTÓNIO DOMINGUES
︎ PAREDES PINTADAS DA REVOLUÇÃO PORTUGUESA de António Campos    REVOLUÇÃO de Ana Hatherly ︎ 22 ABRIL - 11 MAIO ︎ PAREDES PINTADAS DA REVOLUÇÃO PORTUGUESA de António Campos    REVOLUÇÃO de Ana Hatherly ︎ 22 ABRIL - 11 MAIO ︎ PAREDES PINTADAS DA REVOLUÇÃO PORTUGUESA de António Campos    REVOLUÇÃO de Ana Hatherly ︎ 22 ABRIL - 11 MAIO